COREIA DO NORTE, PROGRAMA NUCLEAR & BALÍSTICO, TENSÕES NO LESTE ASIÁTICO: impressões da palestra

Por Adermes Júnior*, 

Depois de exibir um vídeo propaganda exaltando os últimos feitos do governo, boa parte dos quais eu ainda não tinha conhecimento, como a inauguração de uma hidrelétrica aparentemente no lago do monte Paektu, o embaixador demonstrou que a posição norte-coreana é taxativa: “o nossos programas nuclear e balístico, desenvolvidos para responder às crescentes provocações americanas que, ano após ano, simulam uma invasão à Coreia Popular, junto aos sul-coreanos durante os exercícios militares, não serão objeto de negociação”, informou o Embaixador e Plenipotenciário da República Popular Democrática da Coreia no Brasil Kim Chol Hak, em Salvador, Bahia.

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Demonstração militar norte-coreana e seu arsenal nuclear.

De acordo com os embaixadores, a Coreia do Norte iniciou seu programa nuclear na década de noventa para fins pacíficos. A escassez de recursos naturais e o território diminuto eram um entrave à segurança energética de sua economia. Foi lembrado que a comunidade internacional, à época, reagiu bravamente exigindo que o país suspendesse suas atividades.

Na ocasião, o desenvolvimento de um parque energético nuclear estava sim à disposição do diálogo e poderia ser uma moeda de troca. Os EUA, então, se comprometeram a construir hidrelétricas que pudessem substituir as usinas nucleares. No entanto, as obras foram suspensas depois de alguns anos e os dirigentes de Pyongyang decidiram retomar o projeto nuclear.

Vale ressaltar que os exercícios militares conjuntos EUA-Coreia do Sul continuaram a cada ano desde o fim da Guerra da Coreia (1950-1953), o que alimentou nos norte-coreanos uma espécie de corrida armamentista para defender sua soberania frente às provocações e ameaças de invasão.

O país não abrirá mão dos testes por mais duras que sejam as sanções da ONU. Dos anos 2000 pra cá, quando o país abandonou unilateralmente o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e iniciou os testes atômicos, houve um enorme salto qualitativo na tecnologia nuclear para fins pacíficos e bélicos que não podem ser revertidos e dos quais a nação não abdica. No ano de 2012, o país, inclusive, proclamou em sua constituição o status de “Estado nuclearmente armado e indomável potência militar”.

Mesmo a China e a Rússia não são incapazes de conter seu programa nuclear. O embaixador reiterou que a relação entre Coreia do Norte e China deixou de ser assimétrica. Nos novos tempos, a conversa se dá entre duas nações nucleares, o que para os norte-coreanos parece ser condição básica para que um país se imponha bilateral e multilateralmente no sistema internacional.

Basicamente, a Coreia do Norte continuará desenvolvendo armas e artefatos nucleares até o ponto em que seu arsenal seja capaz de dissuadir completamente qualquer possibilidade de invasão americana.

Em sua fala, houve um tom de lamento e o mesmo chegou a considerar uma “tragédia” o fato de a China rejeitar e condenar veementemente o programa nuclear de sua aliada histórica. O representante de Pyongyang no Brasil relembrou que, na década de cinquenta, quando Mao Zedong decidiu nuclearizar a China, o país sofreu equivalente resistência e oposição da comunidade internacional, inclusive da Rússia – então União Soviética, aliada ideológica e detentora de armas nucleares – que rejeitou transferir tecnologia e disse que o país deveria desenvolver de forma autônoma se assim o desejasse. Todavia, a Coreia do Norte havia sido o único país favorável ao desenvolvimento nuclear chinês.

Eu fiquei meio cabreiro porque o programa nuclear chinês remonta ao período da Guerra da Coreia e alguns livros dizem que temendo um embate atômico direto com os EUA na Península Coreana, Stalin relegara o papel de guarda-chuva nuclear à China que já estava em combate contra as tropas americanas, das Nações Unidas e da Coreia do Sul na guerra, concedendo-lhe algumas armas e tecnologias nucleares mais incipientes.

Durante as perguntas da plateia, o embaixador respondeu que a visão de democracia coreana destoa da perspectiva ocidental em razão da influência do pensamento de Confúcio arraigado na cultura local. Isso, no entanto, não significa que o país não seja democrático. A sucessão entre os Kim no poder, por exemplo, está de acordo com a ideologia da filosofia Juche. Eles foram eleitos por unanimidade porque atendem aos pré-requisitos para dirigir a Revolução Coreana, a saber: estão capacitados para o cargo; possuem habilidade política; e contam com o carisma da população porque amam seu povo.

Antes de encerrar abruptamente a palestra de uma maneira que surpreendeu até a

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Adermes Jr. e o Embaixador e Plenipotenciário da República Popular Democrática da Coreia no Brasil, Kim Chol Hak.

organização do evento, ao ser questionado sobre Direitos Humanos, bloqueio a conteúdos ocidentais e refugiados na Coreia do Sul, os representantes disseram que só filtram o que há de negativo na cultura ocidental, desconversou sobre Direitos Humanos e disse que para falar sobre a questão das políticas deliberadas dos governos sul-coreanos contra seu país seria necessário um espaço de tempo maior.

Dia 18 de setembro, o curso de Relações Internacionais da Unijorge, em Salvador, promoveu uma palestra sobre os programas nuclear e balístico da Coreia do Norte, que contou com a representação diplomática do país no Brasil.

 

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*Adermes Júnior é estudante de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, e pesquisa as relações do Brasil com a China e a Coreia do Norte, integrando abordagens da Economia e Relações Internacionais. 

Independência ou Morte! Da emancipação nacional ao definhamento da pesquisa e ciência brasileira

Por Lucas Rocha

 

Penso que escrever este texto hoje* seja, de algum modo, simbólico. A data de 7 de setembro recorda um fato histórico ocorrido há 194 anos, quando o então Príncipe Regente D. Pedro I declarava a emancipação do Brasil de Portugal às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo.

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O famoso quadro de autoria do pintor Pedro Américo “Independência ou Morte”, retratando o então príncipe regente D. Pedro I em sua declaração pública de emancipação do Brasil frente a Portugal. Há uma série de críticas acerca da iconografia utilizada, dando a sensação de heroísmo e braveza diante da notoriedade do evento, no entanto, é um dos mais importantes símbolos atribuídos à data de 7 de setembro de 1822. 

O processo de independência do Brasil já ocorria há alguns anos em vista de diversos acontecimentos tanto no Brasil, quanto na Europa. Embora não seja historiador, nem me sinta muito à vontade de desenvolver um texto mais historiográfico, procurarei aqui fazer um breve retrato deste processo para, posteriormente, elaborar um paralelo, ainda que distante, de outro processo mais atual em curso no Brasil: o definhamento da ciência brasileira. Espero que esta tarefa não seja interpretada de maneira esdrúxula, mas apenas como algumas ideias que já vêm me ocorrendo e me motivando a escrever.

Para tratar do processo de independência brasileiro, relato aqui um pequeno contexto que desencadeou neste marco histórico.

Desde a abertura dos portos brasileiros – e, consequentemente, o rompimento do Pacto Colonial, em 1808 pela chegada de D. João VI – o Brasil passou a ser rapidamente tragado pela avidez do comércio inglês, cuja produção estava literalmente a todo vapor em meio ao auge da Revolução Industrial. Curiosamente, a taxação de produtos importados era maior inclusive para a própria Metrópole do que para a Inglaterra (em 1810, produtos ingleses eram taxados em 15% no Brasil, enquanto que os portugueses, 16% e 24% para outras nações) (MENDES JÚNIOR, 1979 in: PAZZINATO; SENISE, 1997).

A transição do eixo do poder político da Coroa Portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821, sobretudo após a elevação do Brasil da condição de Colônia para Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, com regência a partir do Rio de Janeiro por D. João VI, em 1815, representou um profundo descontentamento das lideranças políticas deixadas pelo monarca português em Lisboa na ocasião de sua fuga das tropas napoleônicas para a colônia americana, escoltada pela marinha inglesa.

Além da pressão exercida pelo descontentamento da Junta política em Lisboa, eclodiu, em 1820, a Revolução Liberal do Porto, fato que, necessariamente, obrigou a volta e D. João VI e sua Corte de volta à Europa, em 1821, e deixou seu herdeiro, o príncipe regente D. Pedro I, no comando do Reino do Brasil.

A singela proeminência que o Brasil adquiriu com a passagem da Família Real e o efeito da “inversão metropolitana” sentido durante os primeiros anos do século XIX provocou um efeito reacionário em Portugal, o qual passou a exercer mecanismos políticos que visavam retroceder o Brasil à condição de colônia.

Contudo, aqui no Brasil, já havia se consolidado uma aristocracia descendente dos

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Ilustração do funcionamento do Comércio Triangular e sua expressão geográfica ao longo do Atlântico, ligando porções africanas às áreas de produção agrícola no Brasil e Portugal exercendo o papel de domínio político metropolitano.  Fonte: LEBRUN, François. Atlas historique. Paris: Machette, 2000 in: MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio de. Projeto Múltiplo: Geografia – volume único: parte 1. São Paulo: Ed. Scipione, 2014. 

moldes de exploração colonial de Portugal e existia, portanto, uma elite rural ligada às culturas da cana-de-açúcar e outros produtos primários que já circulavam internacionalmente pela expansão do Capitalismo Comercial, sobretudo mediante o Comércio Triangular – o qual ligava, de certo modo, colônias lusitanas na África ao Brasil pela captura de mão-de-obra escrava para trabalhar em fazendas brasileiras, o Brasil a Portugal, pela oferta de produtos primários e Portugal às colônias, pelo controle político metropolitano e oferta de produtos europeus manufaturados.

Esta elite rural brasileira, que mantinha laços crescentes com a Inglaterra, passou a provocar um movimento emancipacionista que, por sua vez, teve a adesão do príncipe regente. Em 1822, esses movimentos obtiveram a permanência de D. Pedro I no Brasil (o Fico) e, meses depois, a declaração de independência de Portugal. Contudo, ainda houve certa resistência portuguesa em reconhecer esta condição nova e algumas guerras foram travadas. Somente em 1825, Portugal reconheceu a independência brasileira mediante o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas a Portugal (uma jogada altamente lucrativa para a Inglaterra, a potência industrial e imperialista da época que mediou as negociações diplomáticas).

O processo que resultou no nascimento do novo Estado, o Império do Brasil, liderado pela regência do autoproclamado imperador D. Pedro I, filho do próprio monarca português, indica que não foi, de fato, uma independência genuína que conclamava a autonomia do “povo brasileiro” perante o domínio português. Dom Pedro I, em carta a seu pai D. João VI, continuou a referir-se a si mesmo como “príncipe regente” e a seu pai como “rei do Império do Brasil independente” (VIANNA, 1994). Tampouco existia uma “identidade brasileira” que fizesse integrar culturalmente os brasileiros das mais diferentes localidades da vastidão territorial da Colônia. Da mesma forma, as tentativas locais de revoltas e insurgências ocorridas anteriormente foram sufocadas pelas tropas portuguesas.

Então, convidamos a pensar: o que foi a nossa independência? Qual o sentido de um processo de independência de Portugal, cujo o regente do novo império é um próprio português herdeiro da Coroa metropolitana? E que, caso D. João VI retornasse ao Brasil, ele próprio abdicaria do trono em favor do pai (LIMA, 1997). Qual o sentido de termo-nos tornado independentes na condição de gerar nossa primeira grande dívida externa e, somente assim, termos nossa autonomia administrativa e territorial reconhecida? O que é a independência e para quem ela foi útil/ favorável? 

Particularmente, não entendo o porquê de comemorarmos um dia que, simbolicamente, representou nossa autonomia em relação à condição exploradora de Portugal e adentrou na condição exploradora da Inglaterra e, de modo geral, do sistema econômico internacional. Pois, mesmo depois, os feitos políticos realizados no Brasil como a declaração da República e a abolição da escravidão representaram, na verdade, interesses externos aos brasileiros, em primeiro lugar. Os vetores de poder que aqui atuavam já traçavam as estratégias necessárias para a rearticulação política de nossa nação de modo a potencializar os ganhos produtivos gerados lá fora pela Revolução Industrial – como a pressão para a mudança do perfil produtivo local de mão-de-obra escrava para a assalariada, uma das necessidades dos ideais liberais do capitalismo de então (guardados os respectivos movimentos reacionários de insistência do modelo escravagista pelas contradições do próprio capitalismo daquela época).

De modo geral, percebo que a história brasileira esteve sempre à mercê dos interesses das aristocracias, das elites produtivas, que nunca foram muito preocupadas em estabelecer um projeto de desenvolvimento de país, mas sim, preocupadas com seus próprios ganhos. Não observo, em nenhum momento de nossa história, que o Brasil teve uma Política de Estado preocupada em desenvolver a indústria nacional e possibilitar certa autonomia – independência – do sistema produtivo internacional. Observo, no entanto, uma sucessão de políticas de governos, os quais se comprometeram apenas com suas agendas sem dar continuidade aos projetos iniciados por conflitos de interesses políticos e ideológicos.

Evidentemente, faço uma grande generalização, sem adentrar em pormenores históricos que fogem à regra. Porém, observando-se em um espectro mais amplo, tenho esta impressão. Mas, por que esta discussão? Penso que ela continua mais atual do que nunca, pois, novamente, estamos vivenciando um processo doloroso que está tolhendo o que viria a ser um movimento embrionário de autonomia brasileira frente ao sistema produtivo internacional: me refiro aos cortes governamentais nas áreas da ciência, pesquisa, tecnologia e educação.

Desde 2013, mediante os reflexos da crise econômica mundial, iniciada em 2008 nos EUA, mas amortecida no Brasil pela nossa política externa de aproximação com a voluptuosa China e sua posterior redução dos ritmos de crescimento, o nosso país vem passando por uma gradual e intensa crise econômica interna. Atrelada à ela, vimos eclodir uma crise política (que, por sua vez, geraram outras crises institucionais e de confiança) causada pela disputa de poder, o esvaziamento da capacidade governamental do Partido dos Trabalhadores (PT), os sucessivos escândalos de corrupção, a manipulação midiática e subjetiva da opinião pública, entre muitos outros aspectos, resultaram no impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016.

O objetivo aqui não é entrar em detalhes desta discussão, embora, este que vos escreve entende que o processo de impeachment ocorreu pelo esvaziamento do poder governamental atribuído ao PT por um incessante movimento golpista que se apropriou da máquina legislativa e judiciária e adentrou nos poros esvaziados de poder político para legitimar um impeachment sem sólida argumentação jurídico-política e encenado por discursos horrendos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A agenda perdedora das eleições de 2013 foi, definitivamente, imposta pelo governo representado por Michel Temer (PMDB) e seus aliados tucanos em 2016 (por isso o golpe, pois Temer, tendo sido eleito em chapa com o PT e representando uma agenda política vencedora nas urnas, aplicou justamente o contrário ao obter o poder – fora que o mesmo não foi “impichado” por argumentos no STF ainda mais pífios que os atribuídos ao julgamento de Dilma).

Contudo, é apenas uma consequência – ainda que antidemocrática – da perigosa política de alianças que dá preferência a certas condições de governabilidade e desprestigia outras questões mais filosóficas ou ideológicas. Escolhas…

O fato é que, gostem ou não, o período representado pelos governos do PT representou um dos momentos de maior prosperidade econômica e social da história do Brasil, ainda que sejam válidos pontuar muitos erros – e também diversos escândalos de corrupção – dado que abalou a moralidade antes atribuída ao PT por ter sido sempre a oposição questionadora. Essa prosperidade se refletiu em um desenvolvimento inédito da ciência brasileira, pois jamais se viu até o momento uma expansão quantitativa das instituições universitárias, as quais também se interiorizaram, dinamizando a economia local de muitas cidades e redefinindo o mapa da produção científica e acadêmica no país, antes muito circunscrito à Região Concentrada do Centro-Sul do país e poucos casos históricos de algumas capitais do Norte e Nordeste.

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Mapa da interiorização e expansão das universidades federais entre 2002 e 2010: um acréscimo de 187 instituições de ensino superior em apenas 8 anos. Fonte: ARAÚJO, Tânia Bacelar de. O papel das universidades no desenvolvimento do país. 50º Fórum Nacional de Reitores. Recife, 2012. 

Observamos o aumento dos recursos destinados à ciência, pesquisa e tecnologia. Isto também abarcou a ampliação da oferta de bolsas de fomento, o que, por sua vez, fez multiplicar o número de mestres e doutores das mais diversas áreas.

Os resultados da produção científica, das pesquisas e dos investimentos em tecnologia  e inovação nos cercam em tudo o que fazemos em nosso cotidiano: desde a comida do nosso dia-a-dia (na qual se emprega, em muitos casos, intensa informação e tecnologia agrícola), ao combustível que usamos (oriundo de poços profundos de captação de petróleo e posterior refino), ao gás utilizado nas cozinhas residenciais e industriais para a preparação de comida diariamente, ao tratamento de água e esgoto, aos avanços na medicina e nas vacinas, enfim, praticamente tudo ao nosso redor é fruto de intensos investimentos em ciência, pesquisa, tecnologia e inovação (ESCOBAR, 2017c).

Entretanto, desde os primeiros sintomas da ressaca da crise econômica no Brasil, ainda sob governo Dilma, em 2013, ao seu agravamento para a crise política e institucional, sob o espectro do golpe jurídico-parlamentar, sob o governo Temer, sucessivos cortes nos orçamentos destinados à ciência no Brasil estão fazendo sangrar o recente avanço e entusiasmo de professores e pesquisadores em ver o país a despontar como promessa de uma potência científica – pois tínhamos (ou ainda temos) tudo para ser!

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Investimentos do CNPq em bolsas e projetos de pesquisa desde 2001 (valores absolutos, sem contar a inflação). Nota-se o implacável decréscimo dos investimentos desde 2015, já consolidando 2016 de volta aos mesmos moldes de 7 anos antes e tudo indica que 2017 e 2018 terão as mesmas tendências. Fonte: CNPq/ Dados atualizados até junho de 2017 – os resultados apresentados para o ano corrente são parciais. ESCOBAR, Herton. O Estado de São Paulo. CNPq atinge teto orçamentário e pagamento de bolsas pode ser suspenso. São Paulo, 2017a. 

Acompanhando os sucessivos cortes do governo para a área das ciências, pesquisa e tecnologia, o discurso fomentado sobre isso indica a ideia de que o governo trabalha no entendimento de uma “redução de gastos” ou “redução de custos”, conforme se ouviu do próprio Presidente em Exercício, o deputado Rodrigo Maia, na ocasião do acordo de recuperação fiscal assinado recentemente, no dia 05 de setembro de 2017 (G1, 2017). Este projeto implicará, entre outras consequências severas à população fluminense, a demissão de servidores públicos e, provavelmente, decretará o fim da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e outras universidades estaduais. O próprio Ministro da Fazenda, Guido Mântega, em conjunto com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), chegaram a sugerir a “revisão” (vide redução ou até mesmo extinção) da oferta do ensino superior no estado (IMS – UERJ, 2017).

No estado de São Paulo, além das severas crises observadas nas universidades públicas

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Sírius, localizado em Campinas – SP: um verdadeiro ícone da ciência, pesquisa e tecnologia brasileira. Também um símbolo da indústria e soberania nacional, visto o emprego de tecnologia desenvolvida no Brasil para sua realização, porém, encontra-se ameaçado. 

como UNESP, USP e Unicamp, que implicam em demissões de servidores, redução de investimentos e dúvidas quanto aos recursos para o pagamento de professores, um exemplo marcante é o Sírius, um projeto icônico de construção de um dos laboratórios mais avançado do mundo para a geração de luz síncrotron, um marco da física brasileira, um ícone da capacidade da ciência e pesquisa nacional, um autêntico representante da soberania brasileira – uma vez que o projeto é 100% brasileiro com cerca de 85% dos componentes produzidos e desenvolvidos em território nacional por empresas nacionais de diversas escalas (ESCOBAR, 2017b). O Sírius, localizado em Campinas, corre um grande risco de não conseguir terminar a sua construção, que está prevista para junho de 2018. Mesmo tendo um orçamento próprio vinculado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o projeto, submetido ao Centro Nacional de Pesquisas em Energias e Materiais (CNPEM) sequer tem verba suficiente para garantir o funcionamento das obras, demais atividades e pagamento de pessoal. Sem novos repasses federais, corre-se um sério risco de fechar as portas. (ESCOBAR, 2017b).

A crise da ciência também se reflete com avidez sobre as Ciências Humanas. Historicamente, as próprias Humanidades buscaram, por meio de métodos emprestados das ciências duras e exatas, se legitimarem enquanto ciência (SAFATLE, 2009). Posteriormente, mesmo desenvolvendo seus próprios métodos e sua própria identidade no ramo dos saberes, o senso comum continua a desqualificar e questionar a importância ou “utilidade” da Sociologia, Antropologia, Geografia, História e Filosofia (tá no pacote). Isto é gravíssimo ao ponto de o próprio governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), publicamente criticar o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) destinado às Ciências Humanas e Sociais, se referindo a elas enquanto “projetos acadêmicos sem nenhuma relevância” (Folha de São Paulo, 2016).

O “mau estar nas Ciências Humanas” (SAFATLE, 2009) consolida-se pela aversão e desprestígio dos cientistas e pesquisadores formados nessas áreas do conhecimento, os quais ressalto: cientistas sociais e políticos, antropólogos, geógrafos, historiadores, filósofos, dentre outros. Cabe fazer um reconhecimento dessas formações para a formulação do pensamento intelectual brasileiro, o qual se refletiu e ainda se reflete na formulação de políticas públicas, de análises políticas, sociais e econômicas, de um aprofundamento no conhecimento da nossa própria cultura, da nossa própria história e do nosso próprio território! Haja visto Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Antônio Cândido, Florestan Fernandes, Milton Santos, Aziz Ab’Saber, Paulo Freire, entre muitos outros! Portanto, um conhecimento imprescindível de nós, enquanto povo e de nosso mundo, enfim, a sociedade e a natureza.

A crise orçamentária pela qual a ciência e a pesquisa vêm passando no Brasil atinge, de maneira singular, a produção acadêmica das Humanidades, pois a área já sendo envolta em um histórico de descrédito e ilegitimidade no contexto do senso comum mesmo em períodos mais abundantes, nos períodos de crise são as primeiras a serem visadas para cortes, visto que os próprios governantes reproduzem o discurso da falta de relevância da área (o que é paradoxal, vindo de um político – mas entendemos sua estratégia de poder) (Folha de São Paulo, 2016).

Diferentemente do que o governo tem mencionado, direta ou indiretamente, a ciência, a pesquisa, a tecnologia e tampouco a educação devem ser vistas como gastos ou custos a serem reduzidos em tempos de crise. Todos os países que passaram por crises financeiras investiram em ciência, pesquisa, inovação, tecnologia e educação para se recuperarem (ESCOBAR, 2017c), pois são estes os elementos que garantem à nação a capacidade de crescimento econômico robusto a longo prazo (PEREIRA; LOPES, 2014).

A despeito da produção econômica e o consumo estimulado, os índices inflacionários não permitem identificar um fator que justifique o crescimento razoável de um país. Somente quando há investimentos em inovação e educação, é que, de fato, permite-se apontar o fator necessário capaz de impulsionar uma nação ao desenvolvimento econômico (e possivelmente social). Ou mesmo, de acordo com algumas teorias econômicas, trata-se da importância atribuída ao capital humano relacionado à educação para fazer a diferença (PEREIRA; LOPES, 2014).

De forma nenhuma podemos aceitar que a ciência, a pesquisa e a educação sejam vistas e tratadas como gastos ou custos passíveis de serem inquestionavelmente cortados a fim de se justificar medidas de austeridade para saídas da crise. Esse amargo “remédio” imposto como norma para o “desenvolvimento” não é novo, já que nos anos 1990 experimentamos os desatinos da cartilha neoliberal e agora parece que está retornando com força no país. Isto indica que, o que parecia ser um tímido e embrionário crescimento e autonomia brasileira no campo da ciência, está sendo sucateado para voltarmos à estaca de dependência (científica e tecnológica) e à morte de milhares de pessoas que, desassistidas pelos cortes das áreas, padecerão à espera de uma mudança, sobretudo os mais pobres!

Independência e autonomia científica pelo bem de um Estado que reconheça seus cientistas, que valorize os pesquisadores das mais diversas áreas e incorpore a educação como meta e prioridade de Estado, não de governos. Ou morte, pobreza, desigualdade e serão as consequências de se tratar arbitrariamente a ciência como custo supérfluo irrelevante pela conhecida cartilha neoliberal e imperialista de submissão brasileira ao sistema produtivo internacional.

 

* Na verdade, eu comecei o texto em 07 de setembro mesmo, mas o ritmo do pensamento não me permitiu ser tão pragmático quanto queria ao ponto de publicá-lo no mesmo dia para enfatizar o simbolismo da data. 

 

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Referências: 

 

ARAÚJO, Tânia Bacelar de. O papel das universidades no desenvolvimento do país. 50º Fórum Nacional de Reitores. Recife, 2012.

 

ESCOBAR, Herton. CNPq atinge teto orçamentário e pagamento de bolsas pode ser suspenso. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2017a.

__________________. Crise ameaça a maior obra da ciência brasileira. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2017b.

__________________. A ciência brasileira está falida. E daí? O Estado de São Paulo, São Paulo, 2017c.

Folha de São Paulo. Alckmin critica FAPESP por pesquisas ‘sem utilidade prática’. São Paulo, 2016.

G1. Governo do Rio de Janeiro fecha acordo de recuperação fiscal. São Paulo, 2017.

Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS – UERJ). Fazenda pede o fim da UERJ e demissão de servidores. Rio de Janeiro, 2017.

LEBRUN, François. Atlas historique. Paris: Machette, 2000 in: MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio de. Projeto Múltiplo: Geografia – volume único: parte 1. São Paulo: Ed. Scipione, 2014.

 

LIMA, Manoel de Oliveira. O movimento da independência. 6ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.

MENDES JÚNIOR, Antônio e outros. Brasil História – textos e consulta. São Paulo, Brasiliense, 1979 in: PAZZINATO, Alceu Luiz; SENISE, Maria Helena Valente. História Moderna e Contemporânea. São Paulo, Editora Ática, 1997.

PEREIRA, Miriam Tomiato; LOPES, Janete Leige. A importância do capital humano para o crescimento econômico. IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica. Campo Mourão, 2014.

SAFATLE, Vladmir. O mau estar nas Ciências Humanas. Revista Cult, São Paulo, 2009.

VIANNA, Hélio. História do Brasil: período colonial, monarquia e república. 15ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1994.