O impacto do antipetismo nas eleições da capital paulista

Por Lucas Rocha
As eleições se foram e em São Paulo, a decisão já foi tomada em favor do candidato João Dória Jr. Que implicações podem ser feitas a partir deste fato?
Analisando em uma linguagem cartográfica, o mapa dos resultados das eleições, dividido por sub-região administrativa, mostra uma ampla vitória de Dória em quase todas as regiões da capital paulista. Dentre os votos válidos, o candidato do PSDB ganhou tanto nos bairros mais ricos do quadrante sudoeste, ganhou em todos os bairros de classe média (média alta e baixa) e ganhou na periferia também, vitórias significativas na Zona Leste, Zona Norte e Zona Oeste, única exceção feita nos distritos de Grajaú e Parelheiros, onde Marta teve vantagem, mas ainda sim Dória aparecia em segundo lugar com pouca desvantagem. Este mapa foi elaborado com base nos resultados das apurações eleitorais dos distritos do município e a Folha de São Paulo, acessível aqui.
Um fato interessante notado: bairros ricos e de classe média (Centro, ZS, ZL, ZN e ZO), em geral, elegeram Dória em primeiro lugar e, ainda com grande diferença, Haddad em segundo lugar. As periferias e bairros mais pobres da ZL e ZN elegeram Dória e em segundo lugar Russomanno. Marta só nos dois distritos mencionados acima, ficando Dória em segundo lugar, mas nos demais distritos periféricos da ZS, ele assume a liderança.
Tudo isto é resultado de processos há tempos em andamento no cenário político nacional e que tem desdobramentos únicos na capital paulista pelo seu perfil e importância no país. Há muito tempo, mas sobretudo após a vitória apertada de Dilma para a presidência, a construção de um discurso antipetista se acentuou e se consolidou na mídia. Evidentemente que o próprio PT teve muita culpa neste processo, pois decepcionou o país que o elegeu em meio a diversos esquemas de corrupção denunciados e julgados. O problema é quando os discursos culpabilizavam somente este partido como o grande mal nacional, mesmo esta mídia sabendo que a complexidade das ações políticas permeiam por diversos partidos e esferas de poder.
Logo, o poder esvaziou-se do Partido dos Trabalhadores. A incapacidade de reter o impeachment (que nitidamente não se sustentava juridicamente) inverteu os polos de poder da base do governo, fato que resultou na saída massiva da base de apoio de Dilma. O golpe foi dado e a imprensa comemorou. O simbolismo que isto carrega coroou o PT como o grande corrupto e corruptor do Brasil. Não importa que o ranking da corrupção diga outra coisa, ou que o Executivo e o Legislativo Federal passaram a ser comandados por partidos como o PMDB, PSDB e DEM, os campeões do ranking, o que importa é que o simbolismo do PT como o detentor de toda a corrupção e imoralidade foi extirpado do poder.
As eleições municipais foram um desencadeamento deste processo. No estado de São Paulo, de 72 prefeituras, o PT ficou apenas com 8. A perda na capital não foi um movimento das elites e das classes médias apenas. As amargas derrotas nas periferias evidencia uma total falta de diálogo que Haddad tinha com as mesmas.
Outro fator importante: no município de São Paulo, a maioria bruta representa votos em branco, votos nulos e abstenções, mais até que a quantidade de votos válidos do primeiro lugar. Ou seja, Dória se elegeu, mas não por vontade da maioria, mas por falta de credibilidade da maioria. A maioria absoluta, na verdade, não está interessada na política como ela tem sido feita. A maioria está descrente, desanimada, desgastada também. Este fator também explica a vitória em primeiro turno de Alckmin no estado.
Dória curiosamente emplacou sua campanha com a ideia de que “não é político”. Ora, todos nós somos seres políticos e sociais. Ele sabe disso, e além de ser político por natureza, ele é partidário filiado ao PSDB desde 2001. Evidente que o discurso dele estão implícitos outras questões, pois ao se desvincular sua imagem da de “político” [tradicional], ou seja, dos que correntemente roubam e praticam corrupção, Dória quer dizer que não é corrupto. Isso é bastante sério, pois reforça o senso comum de que “todo o político é ladrão”, impossibilitando retóricas críticas de que há exceções.
O prefeito eleito antipolítico também constrói sua imagem como um administrador de empresas prestes a gerir uma cidade. Ora, a prefeitura não é uma empresa privada, nem a administração pública pode ser entendida como tal. Isso descaracteriza a população de sua condição enquanto cidadãos, e os resinifica como clientes, consumidores, usuários, etc. É basicamente um jogo de conceitos que carregam profundas diferenças na práxis social e política, cujos direitos que nos são garantidos enquanto cidadãos encontram-se ameaçados em consequências do arrendamento de terras e empresas públicas para a inciativa privada, privatizando lucros e empobrecendo ainda mais a população. Ademais, a corrupção é presente na esfera da administração pública, tal qual também é presente na administração privada e na esfera cotidiana da sociedade. Atrelar a imagem de um empresário antipolítico como se isso o isentasse de ser corrupto é tremendamente desonesto.
Portanto, diversos elementos se convergiram: uma campanha milionária com maior tempo de TV e rádio de Dória (acusada de receber verbas públicas do seu padrinho Alckmin); diminuição das verbas da gestão atual da prefeitura para publicidade (destinada a outras áreas), o que lhe conferiu menos tempo de TV e rádio; insuficientes políticas públicas de impacto na periferia; deterioramento geral da imagem do PT enquanto partido; avanço da onda conservadora (presente em todo o mundo); desarticulação das frentes de esquerda por interesses únicos e convergentes; descrédito da atual política e das instituições;
O PT tem pagado um alto preço por ações decorrentes desde o tempo de Lula, em que não procurou investir (também) em educação libertadora, ou seja, educação crítica e formadora que fosse capaz de mudar o perfil brasileiro para um produtor em ampla escala de educação, ciência e tecnologia de ponta, ao passo em que se investiu muito na expansão do consumo – o que foi também importante, mas não estratégico ideologicamente a longo prazo. Da mesma forma, o partido paga um alto preço por se corromper, no plano federal, às mesmas práticas dos demais anteriores, levando ao lixo a ideologia de um partido que mudaria o cenário da política nacional, de um líder que poderia ter virado até mesmo um chefe das Nações Unidas, se quisesse, mas optou pelo conluio com os mesmos ratos de outrora, tudo pelo poder.
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O Partido dos Trabalhadores retrocedeu ao nível político que tinha nos anos 1990. Somente em candidaturas às prefeituras no Brasil, o número de 2016 encolheu ao patamar semelhante ao de 1996, sem contar as pouquíssimas que realmente conseguiu vitória. Fonte: Estadão, 08/08/2016. 
O argumento de não votar no PT para estas eleições municipais por causa da corrupção do partido, mas ao mesmo tempo eleger o PSDB como vencedor, é tão incoerente, vazio e alienado. Tal qual adjetivar e culpabilizar somente um único partido pela corrupção e livrar a cara do outro. Tudo isso em termos críticos e analíticos faz sentido, mas subestimamos a capacidade simbólica de mover a população e estigmatizar um partido, mesmo quando há bons governantes, exemplares internacionalmente, inclusive. Tudo isso cai por terra diante do poder sígnico reforçado por anos de que o PT é corrupto (apenas) e que “nossa bandeira jamais será vermelha”.
Eis aí a conclusão desta análise: as transformações sociais e geográficas não devem jamais menosprezar a capacidade do poder simbólico em modificar formações políticas e socioespaciais. Há máquinas da imprensa que trabalham por anos no plano ideológico da população, com discursos capilarizados e materializados nas TVs e rádios, que mesmo a população mais pobre hoje em dia tem acesso e compra (os discursos). A esquerda deve reconhecer isto e usar tal ferramenta como estratégia também para sua reconstrução. Resinificar o que é esquerda, qual é nossa luta e nossas pautas é fundamental e urgente, pois certamente esta onda trará consequências em 2018, que não está longe (menos de 2 anos, só). E construir espaços de diálogos é extremamente importante, pois os interesses hegemônicos se colocarão com força redobrada, portanto, ter a capacidade política de desconstruir isto, com novos atores, novas retóricas é necessário.
A ressaca da esquerda é boa para fazermos autocrítica, mas deve ser breve para não dormirmos no ponto.
Referências:
Estadão. PT encolhe candidaturas a patamar de 20 anos atrás. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pt-encolhe-candidaturas-a-patamar-de-20-anos-atras,10000067732
Folha de São Paulo. Alckmin paga 1,5 mi a Dória Jr., pré-candidato à prefeitura de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1681027-gestao-alckmin-paga-r-15-mi-a-doria-jr-pre-candidato-a-prefeitura-de-sp.shtml
Folha de São Paulo. Mapa da apuração da cidade de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/apuracao/mapas/capitais/#/municipio/sao-paulo/zona/1/bela-vista
Globo CBN. MP investiga irregularidades nas pré-campanhas de João Dória e mais dois vereadores. Disponível em: http://cbn.globoradio.globo.com/grandescoberturas/eleicoes-2016/2016/06/03/MP-INVESTIGA-IRREGULARIDADES-NAS-PRE-CAMPANHAS-DE-JOAO-DORIA-E-MAIS-DOIS-VEREADORES-EM.htm
SAKAMOTO, Leonardo. Blog do Sakamoto, UOL. Eleições 2016: a esquerda não está morta. Mas não será mais a mesma. Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/10/03/eleicoes-2016-a-esquerda-nao-esta-morta-mas-nao-sera-mais-a-mesma/