Afinal de contas, o que é Geografia?

Por Lucas Rocha

 

Se você, assim como eu, é formado em Geografia ou está cursando a graduação, certamente já deve ter escutado: “ah, você faz Geografia, legal, então você é o quê? Geólogo?”. Ou então, é muito recorrente as pessoas acharem que você é um atlas ambulante, que decorou as capitais de todos os países, reconhece todas as bandeiras, e assim por diante. Aí você responde que isso não é Geografia e tenta achar maneiras de explicar… Pois é, isso acontece com todos nós e pode ter certeza: você não é o único, venha cá, te daremos um abraço!

Mas, afinal de contas, o que é Geografia? De fato, é um conceito bastante complexo com diferentes interpretações ao longo do tempo. Para muita gente leiga, que não é da área, a Geografia é apenas uma descrição básica do nosso território, como normalmente encontramos na maioria dos atlas, enciclopédias e guias escolares por aí. Informações sobre um país, o quanto de área ele possui, qual a sua capital, os pontos mais altos, quais são os rios, etc. Mas isso não é Geografia? Não. Isso são dados geográficos, ou melhor, eu diria dados territoriais.

A visão “natural” da Geografia Clássica advém de uma forte influência da Biologia juntamente com alguns conceitos filosóficos que estavam em voga num momento de nascimento e valorização de algumas ciências humanas e biológicas, no século XIX. Conforme a Geografia se consolida como ciência moderna, as primeiras produções continham um caráter naturalista, cujo método orientava a observação e a descrição da paisagem e seus elementos “friamente”, distanciando-se, assim, sujeito e objeto de análise e atentando-se para as características físicas da paisagem, como montanhas, as árvores, os rios, etc.

Montanhas_wikipedia
Exemplo de paisagem característica da análise feita na Geografia Clássica. O sujeito analisa os objetos (montanhas, a floresta, o lago), descreve suas formas e analisa a relação sistemática entre eles. Foto: Autor desconhecido. Fonte: Wikipedia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Curiosamente, conforme o desenvolvimento da ciência geográfica ao longo do tempo, mesmo ela servindo ao Estado como ferramenta de estudo e análise da população e do território para o ordenamento espacial, ainda que tenha adquirido um caráter mais pragmático através do método teórico-quantitativo, certos atributos originados de sua formação naturalista e positivista permaneceram aparentemente inalterados.

Por isso, ainda hoje é observável que em diversas aulas de Geografia, ainda no ensino básico, esta ciência se tornou sinônimo de “decorar capitais”. A valorização da descrição fria dos atributos físicos da terra, sejam eles rios, mares, oceanos, cordilheiras, desertos, florestas, e atributos políticos como capitais, estados e países, sem qualquer profundidade crítica se tornou comum no ensino de Geografia e afastou o interesse de muitos alunos desde cedo.

Infelizmente, esta é uma marca histórica da ciência geográfica que, desde seus primórdios, incorporou elementos de outras ciências com a pretensão de se afirmar como tal (SANTOS, 2012), entretanto, ironicamente, não incorpora as mudanças que a própria ciência fez sobre si mesma no ambiente acadêmico, pelo menos em grande parte dele. Muito se deve a mecanismos elencados pelo Estado, como promotor da educação pública. Ao que se parece, sobretudo num Estado neoliberal, existem determinados interesses coordenados entre diferentes agentes em deixar inalterado esse quadro de alienação pela massa de estudantes – e, neste caso, a “geografia” teria papel importante – cujo objetivo é a manutenção do desinteresse da maioria dos alunos em uma matéria cansativa e “de decoreba”.

Evidentemente, o conhecimento geográfico é importante. Saber a localização das coisas, dos países, dos elementos do meio físico, das capitais é fundamental para se situar no mundo e entender a lógica de certos fenômenos. Contudo, é necessário, desde cedo, se estimular o raciocínio crítico e a construção de associações, entre os territórios e as sociedades, afim de se desenvolver uma ciência que fomente a reflexão e a crítica de mundo.

World_upside_down
Parte do conhecimento crítico é entender que, em um globo, não existe “lado certo”. A priori, o mapa que estamos convencionados a ver – eurocêntrico – foi útil para a expansão das grandes navegações no sentido de manter uma certa precisão dos deslocamentos das caravelas através da projeção de Mercator. Porém, existem estudos que apontam na escolha desses mapas com o sentido implícito de manutenção de poder centrado na Europa e América do Norte, enquanto que países pobres se localizam sempre nos lados inferiores do mapa, subordinados. Conforme Milton Santos, “o centro do mundo é onde você está”. Imagem: NASA. 

Os estigmas que a Geografia leva têm origem em sua história como ciência. Portanto, para se entender melhor os pressupostos que levaram a sua criação, sugiro a leitura do próximo artigo que aborda a sistematização dessa ciência e os interesses responsáveis por sua consolidação.

Para saber mais: 

O seriado “The West Wing” apresenta, no episódio “Cartographers for social equality” (Cartógrafos pela igualdade social), uma cena bastante interessante que discute os efeitos subliminares das projeções cartográficas que estamos habituados a ver. Vale a pena conferir e reflita, tire suas conclusões e comente em nosso blog: The West Wing – Cartographers for Social Equality

Referência:

SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. 6ª Edição. São Paulo. Edusp: 2012.

 

 

2 comentários sobre “Afinal de contas, o que é Geografia?

    • Olá Marcelo!
      Peço desculpas pela demora na resposta, pois tive problemas técnicos com o computador. Então, ao que me parece, esta cena está no episódio 16 da 2ª temporada do The West Wing.

      Obrigado pelo elogio e pela saudação! Abraço! =)

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