A Geografia da Homofobia

Por Lucas Rocha

 

A data de 28/06 é reconhecida por ser o Dia Internacional do Orgulho LGBT. O simbolismo desta data marca o levante feito por LGBTs¹ contra os ataques frequentes de policiais de Nova York no bar Stonewall Inn, em 1969. A revolta mobilizou centenas de LGBTs a se posicionarem nas proximidades do bar, impedindo os policiais de realizarem batidas e prenderem pessoas. O levante se estendeu também por várias noites seguintes, dando visibilidade a pautas indiscutíveis na sociedade norte-americana de então: a liberdade dos direitos sexuais, ou seja, a liberdade de se expressar sobre quem você é, seja sobre sua orientação sexual ou identidade de gênero².

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“Stonewall significa revidar! Acabe com a opressão gay!” – cartaz no levante de Stonewall Inn, em Nova York, em 1969.

A partir de então, o movimento tornou-se amplamente conhecido e o ativismo LGBT passou a agregar as reivindicações dos Direitos Humanos juntamente com o Movimento Feminista e o Movimento Negro. O levante em Stonewall Inn em 28 de Junho de 1969 tornou-se simbólico também pelo fato de iniciar, nos anos posteriores, as Paradas do Orgulho LGBT nos Estados Unidos e, posteriormente, em diversos outros países mundo afora.

 

Desde então, muita luta, muitos protestos e, infelizmente, muito sangue tem sido derramado para que algumas conquistas fossem alcançadas. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou [finalmente] a homossexualidade do Cadastro Internacional de Doenças – CID -, muito embora, infelizmente, a transexualidade ainda conste no cadastro hoje, e a Anistia Internacional passou a considerar como violação aos Direitos Humanos os episódios de preconceito a homossexuais. Entretanto, ainda hoje, é possível se observar tanto no Brasil, quanto mesmo em países cuja legislação sobre direitos LGBTs são avançadas, certos políticos e líderes religiosos referirem-se à homossexualidade como doença e, em outros casos, promovendo tratamentos de “cura”.

Em muitos países, LGBTs são considerados cidadãos de segunda classe, pois sua sexualidade é considerada crime, cujas punições podem variar entre violência moral e física até a morte. Em geral, os piores países para ser LGBT são países onde as políticas civis estão submetidas ao entendimento religioso, frequentemente países islâmicos, no entanto, há países cristãos também, onde a legislação é desfavorável à existência de LGBTs.

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Mapa realizado pelo portal G1, com base nos dados da ILGA (International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association) mostra com mais detalhes onde a legislação ampara, em alguma medida, a existência, o reconhecimento ou possibilita o casamento homoafetivo no mundo.

Portanto, relações homoafetivas são consideradas como crime em 73 países, dentre os quais 13 preveem pena de morte. Em países como a Rússia, é expressamente proibido contar a crianças que LGBTs existem!

LGBTfobia no Brasil

A situação no Brasil também é bastante crítica. Embora o mapa indique o Brasil como um país progressista no que se refere aos direitos LGBT havendo artifícios jurídicos que possibilitem a oficialização do casamento homoafetivo desde 2011, além de contarmos com a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo, em São Paulo (cerca de 3 milhões de pessoas), já existente anualmente há 20 anos, desde 1996, infelizmente possuímos índices extremamente alarmantes sobre homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia³.

Vale ressaltar que a decisão jurídica que possibilitou a oficialização do casamento homoafetivo no Brasil em 2011 foi conduzida com unanimidade pelo Superior Tribunal Federal (STF), ou seja, uma matéria que deveria ter sido tratada essencialmente pelo Poder Legislativo e nunca foi levada adiante no Congresso por articulações políticas (não discussões do ponto de vista legislativo, portanto) – as quais sabemos todos as motivações: fortes lobbies religiosos e conservadores que impedem discussões de nível progressistas. Evidentemente que nos felicitamos com a iniciativa do STF e, ainda que não equivalha como lei, é matéria definida no campo jurídico e obrigatória sua efetivação nos cartórios de todo o Brasil.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos divulgou o Relatório de Violência Homofóbica no Brasil referente ao ano de 2013 e levantou dados alarmantes: um total de 1965 denúncias de 3398 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 1906 vítimas 2461 suspeitos. Dados estatísticos levantados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) apontam que, em 2014, 326 pessoas morreram por LGBTfobia, uma média assustadora de 1 assassinato a cada 27 horas. O pior disso tudo é saber que todos esses dados estão longe de corresponder com a totalidade de crimes ocorridos, os quais terminam por ser relacionados a situações de crimes comuns, portanto, não há clareza sobre a quantidade exata de crimes homofóbicos e/ou transfóbicos.

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Mapa elaborado pelo jornal Brasil Post sobre o número de incidências de casos LGBTfóbicos no País em 2013, com base nos dados do GGB.

Ainda que o Mapa da Homofobia apresente uma certa frequência de casos em alguns estados e esteja quase zerado em outros, não podemos desconsiderar o fato de que há carência de dados justamente porque os casos de homofobia e/ou transfobia não são tratados como tais. Crimes de ódio que tiveram na natureza do ato a motivação contra a orientação sexual ou identidade de gênero são desconsiderados e tratados como crimes comuns e “diluídos” nas estatísticas de violência do País, ou seja, apagados, silenciados.

A LGBTfobia, no entanto, ainda permeia o cotidiano brasileiro de forma recorrente e silenciada. Poucos são os casos que ganham notoriedade na imprensa, geralmente os crimes mais perversos e emblemáticos que envolvem estupros, esquartejamentos e ateamento de fogo no corpo da vítima. Contudo, dia após dia, muitos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais são ofendidos, xingados, violentados, agredidos e mortos seja em grandes cidades ou no interior. Seja dentro de casa ou na balada, seja na luz do dia ou na escuridão da noite.

Cotidianamente a violência moral contra LGBT encontra-se institucionalizada nos Poderes Constitucionais no Brasil. Há no Congresso Nacional bancadas formadas por parlamentares conservadores, reacionários e religiosos fundamentalistas que promovem um verdadeiro desserviço aos Direitos LGBTs (ou seja, aos Direitos Humanos), dentre eles, os mais notáveis são Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Eduardo Bolsonaro. Os discursos de intolerância e ódio desses deputados, além dos demais que compõem a bancada, já impediram progressos importantes contra a homofobia e a transfobia nas escolas, barrando projetos essenciais tais como o do kit Anti-Homofobia, maliciosamente apelidado e estigmatizado como “kit-gay”. O único objetivo do projeto era possibilitar que crianças e adolescentes crescessem entendendo a diversidade da humanidade, sabendo que existem LGBTs e que todos somos iguais e merecemos ser tratados com respeito e dignidade.

Outras vozes que brandam a LGBTfobia são as de líderes religiosos, mais precisamente pastores e padres conhecidos, os quais usam a liberdade de expressão religiosa como escudo para destilarem opiniões preconceituosas, tal como o Pr. Silas Malafaia. Infelizmente, as vozes dessas pessoas são ouvidas e acatadas por massas de milhões de pessoas, fato que dificulta o convívio pacífico e a tolerância social para com LGBTs no Brasil. Opiniões de cunho religioso têm sido usadas como argumentos políticos, inclusive, para impossibilitar o reconhecimento do casamento civil homoafetivo, a adoção de crianças por casais homoafetivos a própria constituição do conceito de família. Incrivelmente, não há lei que criminalize a homofobia no País, portanto, todos os que discursam com intolerância contra LGBTs no Congresso, na TV ou nas igrejas permanecem ilesos.

A violência também é comum já dentro de casa, lugar onde crianças LGBTs ouvem discursos de ódio e intolerância dos próprios pais desde cedo, ou fingem que são héteros para serem aceitos na família e com os amigos, vivendo no armário uma vida de farsas e mentiras, destruindo a si mesmos, ou vivendo uma vida de preconceitos e desaprovações por parte dos familiares e grupos sociais. Muitos e muitas, sobretudo travestis e transexuais, acabam sendo expulsas de casa logo cedo pela incapacidade da família em fornecer o suporte e o o entendimento sobre a identidade de gênero da criança ou adolescente. Este é o momento em que muitas travestis e transexuais tornam-se moradoras de rua e/ou partem para a prostituição como forma de sobrevivência, uma vez que já evadiram da escola e não lhes restam mais um futuro digno com estudo e formação.

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Travestis trabalhando na prostituição nas ruas.

Muitas travestis e transexuais inserem-se, consequentemente, no mundo do crime. Este cenário trágico e lamentável é frequentemente ignorado pelo Poder Público. Tentativas de políticas públicas que possibilitem a transexuais e travestis de se inserirem no mercado de trabalho formal com condições dignas são ainda raras e vanguardistas no Brasil (e no mundo) – como o Projeto Transcidadania, da Prefeitura de São Paulo.

A luta de LGBTs pela criminalização da homolesbotransfobia é extremamente necessária para darmos um passo adiante em vista de uma sociedade mais justa e mais tolerante. A liberdade de expressão ou a liberdade religiosa não devem servir de escudos ou argumentos para estimular o preconceito, a segregação ou o ódio a LGBTs em virtude de suas condições de orientação sexual e identidade de gênero. Assim como a legislação já prevê punições para quem discrimina em virtude do gênero feminino ou da cor/raça, faltam leis específicas que projetam LGBTs de sofrerem preconceitos e crimes de ódio com motivação própria. Neste campo, existe um hiato legal que ainda é usado para legitimar toda a sorte de discriminações e silenciar crimes de ódio. Este hiato, portanto, deve ser preenchido o mais rápido possível antes que mais tragédias ocorram!

O resgate ao valor de dignidade da pessoa é fundamental para alterar a lógica de exclusão e vulnerabilidade social que os grupos LGBT têm sido expostos. Neste caso, a educação é a principal estratégia para se mudar a sociedade e desconstruir preconceitos que segregaram por gerações milhões de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, além de políticas públicas que possibilitem a reinserção dos grupos mais vulneráveis à dignidade, a terem possibilidade de um futuro diferente e leis que punam crimes de ódio em função da sexualidade das pessoas. Com esses três elementos em conjunto, sendo o maior deles o investimento na educação das pessoas, podemos construir um futuro mais inclusivo e tolerante.

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¹. LGBTs é a sigla formada pelas palavras Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Embora seja o acronismo mais usado, há outras formas frequentes que também visibilizam grupos como Pansexuais, Assexuais, Intersex, Queers, ou o sinal + para identificar variadas outras classificações de gênero. 

². De forma sucinta, entende-se que orientação sexual refere-se à orientação do desejo sexual e/ou afetivo de uma pessoa por outra pessoa do mesmo gênero. Sendo assim, na sigla LGBT temos as lésbicas, gays e bissexuais que são os grupos cuja a orientação sexual é discordante da norma heterossexual, portanto, são homossexuais ou bissexuais. 
A sigla também abrange a população T referindo-se à identidade de gênero das pessoas. Ou seja, a identidade de gênero é o gênero pelo qual a pessoa se identifica no decorrer de sua vivência. O gênero compõe-se de uma construção cultural e social, resultado em papeis de gênero na nossa atual sociedade. Logo, uma pessoa cuja genitália seja masculina e identifica-se como homem, é uma pessoa cisgênero. O mesmo vale para uma pessoa cuja genitália seja feminina e ela se identifique como mulher.
A transexualidade dá-se quando a pessoa não se identifica com o gênero pelo qual lhe foi atribuído. Ou seja, é a lógica inversa das pessoas cisgêneros. 
A travestilidade perpassa a transexualidade no sentido em que não há identificação com a lógica binária homem/mulher. A pessoa entende que seu gênero é não-binário, ou seja, não se limita às classificações masculinas ou femininas para se definir, muito embora a maioria das travestis sejam lidas socialmente com uma aparência feminina. 

³. Existe a necessidade de se enfatizar na diferença conceitual dos tipos de violência sofridos por cada um das letras LGBT, pois há particularidades que um tipo sofre e que outro grupo não sofre. Por isso a ênfase na homofobia (violência moral e física contra gays), lesbofobia (contra lésbicas), bifobia (contra bissexuais) e transfobia (contra a população T). Eis, então, a necessidade de se utilizar LGBTfobia. 

Referências:

Araújo, Thiago. Uma morte LGBT acontece a cada 28 horas motivada por homofobia. Huffpost Brasil, 2014.

BRASIL. Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Relatório da Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013. Brasília, 2013.

Barros, Ana Cláudia. Homofobia motivou um assassinato a cada 27 horas em 2014 no Brasil. Portal R7, 2015.

Mantovani, Flávia. Relações homossexuais é crime em 73 países; 13 preveem pena de morte. Portal G1, 2016.

Rosa, Ana Beatriz. Violência homofóbica: Brasil tem 5 denúncias por dia, mas números reais são muito maiores. Huffpost Brasil, 2016.

SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo. Projeto Reinserção Social Transcidadania. São Paulo, 2016.

UOL. Entenda as diferenças entre o casamento gay dos EUA e o do Brasil. São Paulo, 2015.

 

 

 

 

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