Sem mapas públicos, sem cidadania!

Por Luiz Ugeda*

 

A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) deliberou no dia 2 de maio sobre a regulamentação dos drones. O Congresso tem discutido a Medida Provisória sobre a regularização fundiária e o Uber. Deputados lançam a Frente Parlamentar para a modernização da Base de Alcântara. O Estado do Rio de Janeiro lança um atlas solar. A pergunta é: o que essas ações têm em comum?

Esses temas falam de território e das formas de gerir e monitorá-lo, para que o país desenvolva seu mapeamento oficial denominado infraestrutura geográfica – ou a “infraestrutura da infraestrutura”. Drones criam imagens do solo; a regularização da propriedade rural traz segurança jurídica para o campo; a discussão sobre o Uber delimita até que ponto as ferramentas de geolocalização concorrem com os serviços públicos municipais; a maior capacidade aeroespacial permitirá mais autonomia no lançamento de satélites e registro de imagens do espaço; e o atlas solar do Rio de Janeiro mostra onde estão os pontos de melhor insolação do Estado, essencial para o aprimoramento da matriz energética renovável. A infraestrutura geográfica é, portanto, o primeiro passo para que o Brasil possa realizar seus projetos estruturantes. Sem mapas, nada se edifica: nos tornamos desconhecidos, não somos cidadãos.

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Geotecnologia: cartografia digital do relevo de área de manancial.

Atualmente, mapas revelam nossas possibilidades de unir oferta e demanda, uma vez que latitude e longitude passaram a ter sinalização econômica e a globalização se retroalimenta dos dados do Big Data e das ferramentas geoespaciais. Pessoas se georreferenciam nas redes sociais. O Estado georreferencia os cidadãos para efeitos tributários, criminais e até de espionagem. A geolocalização está na origem das políticas públicas para prevenção de catástrofes naturais, urbanização de favelas, planejamento ambiental e até gestão de detentos por tornozeleiras eletrônicas. Com a proliferação dos smartphones, temos acesso a diversas formas de mapas, e todo este contexto molda o estilo de vida neste início de século.

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Geotecnologia: cartografia digital da infraestrutura urbana e hierarquia do sistema viário.

Hoje, é comum realizar download de softwares de informação geográfica que fariam inveja aos serviços de espionagem de qualquer país há 15 anos. Se antes da internet o Estado já se encontrava no retrovisor das forças globalizantes, quem dirá agora com o salto qualitativo da bilionária indústria da informação geográfica? Para que o Estado retorne à situação de equilíbrio e promova políticas públicas voltadas à cidadania por meio da geotecnologia, ele deverá, inequivocamente, ter uma consistente política pública geográfica. E o Brasil está longe disso.

O país se estruturou em torno de mil leis e decretos que regulamentam e interferem direta ou indiretamente na Geografia de Estado, e há quase 65 mil mapas no país que traduzem 8,5 milhões de km² por enfoques diversos. Estima-se que o Brasil, nos cartórios, é em torno de 600 mil km² maior do que a realidade geográfica – o equivalente ao Estado de Minas Gerais. Esses dados revelam como o país negligencia a sua infraestrutura geográfica ao criar uma colcha de retalhos cartográfica, com “puxadinhos” legais e normas que se emendam sem uma compreensão do território como algo único.

Nesse cenário, torna-se imperativo patrocinar o renascimento da infraestrutura geográfica como política pública. Getúlio Vargas equacionou esse problema com vanguarda quando, em 1938, criou o IBGE autárquico, ligado diretamente à Presidência da República, com a finalidade de regular o território e mediar conflitos territoriais, fomentando o deslocamento de populações para ocupar o oeste do país. Castelo Branco, em 1967, deu, por outro lado, um nó tático na governança geográfica quando, de uma única vez, extinguiu o IBGE autárquico e criou a Fundação IBGE, retirando a sua capacidade regulatória.

A Constituição de 1988 diz que devemos ter uma geografia e cartografia oficiais, mas até hoje não as regulamentamos. Em que pese iniciativas isoladas, estamos atrasados e a retomada da infraestrutura geográfica como política pública no Brasil é urgente. Se hoje existem as ferramentas técnicas necessárias para que a Geografia forneça o “onde”, por meio da infraestrutura geográfica, cabe agora ao Congresso Nacional determinar como ela se tornará, efetivamente, um bem de domínio público.

Só assim o território brasileiro será um espaço do cidadão, com condições objetivas de mediar conflitos entre lotes, áreas, propriedades, reservas ambientais, indígenas, entre outros, com base em mapas e em normas públicas. Caso contrário, seguiremos em solo desconhecido, desorientados diante do futuro.

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* Luiz Ugeda é advogado e geógrafo, presidente do Instituto Geodireito, autor do livro: Direito Administrativo Geográfico – Fundamentos na Geografia e na Cartografia Oficial do Brasil, lançado em 2017

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